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Uma reflexão independente sobre a mídia.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

A invasão das jabuticabas.

Assessores de imprensa, essas brasileiríssimas jabuticabas.

Em diversos comentários anteriores, aqui e em outros ciberespaços, dediquei-me a demonstrar que assessoria de imprensa - essa invenção brasileira - tem mais efeitos deletérios que serviços prestados à cidadania e à própria noção do seja informação. Acesse aqui uma delas.

A difícil e nobre tarefa de formar relações-públicas na graduação (a que dediquei-me por 24 anos) e jornalistas, na pós-graduação (a que dedico-me há mais de uma década), fica ainda mais complexa porque a mídia - justamente o locus, a arena, do exercício dessas profissões, não abre espaço para o tema... mídia. Isto porque vivemos, no Brasil, desde 1962, um genuíno "coronelismo midiático" (mais adiante descubra o porquê).

Agora, hoje mais precisamente, uma nota "perdida" na coluna "Panorama Político", de Ilimar Franco, n'O Globo (página 2), vem em meu socorro, narrando episódio exemplar da inversão de valores em que se transformou o toma-lá-dá-cá entre "quem é notícia" e "quem difunde notícia".

À íntegra da nota [os colchetes, meus, fazem-se necessários]:

No ar o plantão da madrugada

O Senado se rebelou ontem contra os assessores [de imprensa] que dirigem a TV Senado. Estes decidiram reprisar as sessões da Casa depois da meia-noite [ou seja, no dia seguinte], exibindo no horário nobre programas estrelados por seus jornalistas. Roberto Requião perguntou: "De quem é a TV? É dos jornalistas que nela trabalham?". Pedro Taques sentenciou: "Não cabe a eles decidir o que será transmitido". Randolfe Rodrigues definiu: "Impensada decisão". Álvaro Dias protestou: "Não é de madrugada que a população poderá nos fiscalizar". Paulo Paim resumiu: "Jogar para depois da meia-noite? Aí, não dá!". Eles querem que a Mesa coloque ordem na TV institucional do Senado e dos senadores.

É claríssimo! Um fato grave que só um bom jornalista sintetiza numa nota e tem a coragem de assinar. Eu mesmo, nesta madrugada, só em torno de 3 horas da manhã, é que pude ver com meus próprios olhos a aprovação da medida que estende os efeitos da Lei da Ficha Limpa aos assessores dos gabinetes senatoriais.

E não é que na mesma edição de hoje, d'O Globo, na página 19, Zuenir Ventura - decano da profissão, talvez num surto da febre JB - desautorizou todos os seus colegas de redação postos, há já uma semana (veja aqui), a desqualificar a entidade "mídia NINJA"?

Escreveu o mestre Zuenir: os Ninjas (sic) não inventaram o jornalismo e também não vão acabar com ele. A seu favor, porém, o fato de que, apesar dos possíveis equívocos e da inocente presunção, eles tiveram o mérito de fazer com a imprensa o que as manifestações fizeram com a política: refletir sobre si mesma. Um pouco como esses novos atores da cena nacional fizeram ontem [na Casa do Saber, que agora é de propriedade d'O Globo] com este velho jornalista - ou "pós-jornalista".

Zuenir Ventura matou a charada: pós-jornalismo. Algo que veio para ficar, sobretudo pós-tecnologias telemáticas acessíveis a todos. Nada mais será como antes. E não fora o próprio jornal O Globo que criara o "Eu-repórter"? Estimulando qualquer pessoa a fazer sua reportagem sobre os fatos que testemunha?

Pobres coleguinhas. Agora ganharam mais esta concorrência - a de qualquer um. E pobres leitores, pois lerão, assistirão e navegarão matérias sem apuração, sem contraparte, feitas sem a necessária e indispensável ética profissional.

O jornalismo já perdera a prerrogativa de exigir diplomas universitários de seus candidatos a praticantes, não tem um código de ética com força de lei porque os patrões empenharam-se no lobbying contra a criação de Conselhos Profissionais (Federal e Regionais) para os jornalistas e, agora, repórteres e redatores experientes perdem lugar - porque "caros" - para neófitos pinçados na parentela dos donos dos veículos, de norte a sul do Brasil (como previu Aydano André Motta, aliás) ... Lamentável!

Por isso tudo é que o Observatório da Comunicação Institucional apoia as seguintes causas do jornalismo brasileiro:

- Restauração da exigência de diploma de nível superior para o exercício do jornalismo;

- Criação do Conselho Profissional da classe;

- Estabelecimento do novo marco regulatório da comunicação no Brasil, já podre de velho pois que de 1962.

Muda de canal!

Toda produção artístico-cultural popular tem grande audiência. Por isso é popular. 

Se a população tem pouca instrução (educação básica) e cultura (acesso a outros repertórios, algo que só a família e a escola podem fazer), os meios de produção têm que circunscrever seus produtos a esta audiência.

A Globo se liga em você.

Todos nós percebemos uma modificação do próprio "padrão global" na última década, quando da ascensão das "novas classes médias", C, D, E, F, G, H. O apelo aos baixos instintos também pulula na França, nos EUA, na Dinamarca. O baixo nível da TV aberta é um fato universal. O BBB é multinacional.

Há, porém, um ponto a ressaltar: a falta de concorrência proporcionada por uma legislação podre de velha (nosso marco regulatório da comunicação é de 1962), que permite concentrar 50% das verbas publicitárias em apenas UM conglomerado da indústria cultural (vale a pena recorrer a Adorno, que não é enfeite *) - fato ÚNICO no mundo, nos países muito desenvolvidos e nos menos também.

É este o cerne da crítica ao status quo da nossa mídia, proporcionado não por outros que não nossas "excelências", os políticos profissionais, que, aliás, pela Constituição Federal, não poderiam deter concessões - que são públicas - de emissoras de rádio e de TV, mas as possuem por meio de "laranjas", usando-as indiscriminadamente, não obedecendo o que a CF de 1988 também prescreve em seus Artigos específicos para Comunicação e para Cultura.

Quanto a "mudar de canal" - o óbvio conselho de Merval Pereira et alii, seria preciso que as milhões de crianças que ficam "presas" em seus barracos a tarde inteira, tivessem ali a presença de pais ou responsáveis para fazê-lo. Os mesmos, porém, estão dependurados nos transportes urbanos correndo atrás do pão de cada dia e fugindo dos tiroteios que seus filhos assistem "ao vivo" até que seus pais cheguem para assistirem, juntos, a "mais um campeão de audiência".

E como diria o William Homer Simpson Bonner: boa noite!

* "Adorno não é enfeite" é a denominação de uma chapa candidata, no passado, ao Centro Acadêmico de Comunicação Social da UERJ.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

E a reparação dos danos causados a corações e mentes nestes já 50 anos?


O jornal O GLOBO, em sua edição de hoje, reserva meia página (a de número 5) para auto-elogios quanto à sua grave decisão de admitir que errou ao apoiar editorialmente o golpe militar de 1964.

Fiel a este alinhamento, e por muito tempo, O Globo chamou o golpe militar de "Revolução", bem ao gosto dos generais que durante 21 longos anos ocuparam o poder central do Brasil.

Aliás, o - ótimo - livro de Joe Wallach, o "americano" da Globo (*), conta com quantos militares se fez o grupo de empresas de Roberto Marinho. Do almoxarifado à contabilidade, da cenografia à central técnica, das garagens ao lobby, aparecem tenentes-aviadores, capitães intendentes, sargentos, marinheiros... Não fica claro se faziam "bico", numa dupla jornada por lá, ou se estavam licenciados de suas atividades de caserna...

O jornal também admitiu que tentou "vender" aos seus leitores (**), que não havia importância nas movimentações que chegaram a reunir, em um dia, 1 milhão de pessoas na praça de Sé, em São Paulo, pelas Diretas Já, em 1984.

A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura!

Na matéria encomendada, chapa-branca, Maurício Azêdo, pessoa - hoje - nefasta ao jornalismo por seu absoluto e aviltante (***) apego ao poder, na ABI, constrói a seguinte tese: "o jornal tomou uma atitude corajosa ao admitir que cometeu um equívoco editorial. Algo que até hoje não foi feito por outros veículos de comunicação de expressão nacional, que também se manifestaram a favor dos militares" (vide foto acima).

Ora, para uma empresa (mais... para um conglomerado de comunicação que se desenvolveu inteiramente à sombra da ditadura, o que agora considera um "equívoco 'editorial'!") com tanta responsabilidade e poder sobre a opinião pública, formadora de consciências; um reconhecimento público como este requer pronta e justa reparação dos danos causados! Mas, como calcular o reparo devido por tamanho equívoco?

Se a cultura de um povo tanto deve aos seus meios de comunicação, qual a parcela que se poderia atribuir a um, ou a dois, ou a três veículos, na criação de um imaginário "pró-golpe"? Como se mede isto? E suas consequências? Como se avalia o prejuízo decorrente? Se as Organizações Globo, com todo o seu poderio, estivesse contra os militares, estaríamos nós ainda em meio a tanta desigualdade social, subdesenvolvimento cultural e histórico de corrupção? Talvez não...

E como se contabiliza a reparação necessária? Se "a Globo" (constelação de empresas assim tratada pela percepção de todo-poderosa de que desfruta e que, efetivamente, exerce) pôde tanto, e tanto ainda pode, desde 1964, como proceder a uma reparação justa aos corações e mentes que se deixaram levar por tal equívoco (pai e avô de tantos outros, provavelmente...) de quem está a completar 50 anos "campeã de audiência" na mesma data que o golpe?

Está aí um cálculo indenizatório do qual eu gostaria de participar. 

(*) "Meu capítulo na TV Globo". Rio de Janeiro, Top Books. 2011. 

(**) ... ouvintes (do sistema Globo de rádio) e telespectadores (da Rede Globo de Televisão) - porque ninguém pode esquecer o fato de que o jornal foi a célula mater do conglomerado empresarial que por volta de 2001, quando do salvador "PROER da Mídia", de FHC, chegava a 99 empresas... (o grupo Silvio Santos tinha, então, 44 companhias).

(***) As últimas (e enésimas) eleições de Azêdo para a presidência da Associação Brasileira de Imprensa estão sub judice em virtude de fraudes constatadas no processo eleitoral.